Autor: Érica Sousa Andrade
Advogada especialista em Propriedade Intelectual

Reprodução da internet em 08/05/2019: http://www.gomeskloc.com.br

O Setor Elétrico Brasileiro (SEB) atravessou várias etapas ao longo de sua história até consolidar-se na segunda metade do século passado como um segmento fundamentalmente constituído e operado por órgãos e empresas públicas. Durante as décadas de 60 e 70 este setor cresceu rapidamente em função de alguns fatores como: centralização do planejamento das operações, forte investimento de recursos financeiros, crescimento geral da economia brasileira.

Neste modelo centralizado, praticamente todas as atividades estratégicas de planejamento e execução eram de responsabilidade de órgãos da esfera Federal; incluindo a construção, manutenção e operação das instalações e serviços de geração e transmissão de energia (deixando-se a cargo das esferas estaduais a responsabilidade pelos serviços de distribuição de energia). Até então, este segmento configurava-se como um mercado protegido por monopólios e tendo suas tarifas reguladas por orientações governamentais.

Durante a década de 90 o setor elétrico brasileiro foi atingido por várias ações que tinham como propósito a implementação de profundas modificações estruturais na economia do país. Foi ainda nesse período em que se desenvolveu o Programa Nacional de Desestatização – PND, sendo a privatização das empresas do setor elétrico uma das metas das reformas econômicas iniciadas a época pelo Governo.

Devido à importância e à complexidade deste segmento, os formuladores das políticas de reestruturação entenderam ser necessária a criação de instituições que permitissem a regulação, fiscalização e operacionalização do setor elétrico neste novo modelo. Neste contexto, em 1996, foi criada a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que possui como missão proporcionar condições favoráveis para que o mercado de energia elétrica se desenvolva com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade. Entre as várias atribuições desta agência podem ser destacadas: a regulação da produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica; fiscalização das concessões e permissões relacionadas aos serviços de energia elétrica; implementação de políticas e diretrizes do governo federal relativas à exploração da energia elétrica e ao aproveitamento dos potenciais hidráulicos.

Além da Aneel, em 1999 foi criado também o Operador Nacional do Sistema (ONS), que passou a coordenar as ações relacionadas à operação do Sistema Interligado Nacional (SIN). Desta forma, o ONS tornou-se o responsável por atividades como o despacho de cargas da geração e transmissão de energia para as diversas regiões do País, visando com isso ao atendimento das demandas contratadas pelos consumidores e também das diversas necessidades e interesses das empresas do setor.

Considerando-se a importância estratégica do setor elétrico para o país, neste ambiente de mudanças estruturais intensas, foi identificada pelos elaboradores das diretrizes políticas a necessidade da criação de um programa de pesquisa e desenvolvimento (P&D) que viesse a proporcionar um contínuo desenvolvimento para este setor – de forma a permitir sua constante atualização tecnológica. Esta constatação derivou-se principalmente do fato de que, no cenário em que estava sendo projetado, o setor elétrico não mais estaria diretamente sob controle do Estado brasileiro. Com isso, percebeu-se que um possível risco desta nova conjuntura consistia na possibilidade de investidores privados adquirirem as instalações que compunham o sistema elétrico sem a preocupação de mantê-las atualizada tecnologicamente; investindo-se o mínimo necessário para manter a sua operacionalidade, de forma a otimizar o retorno de seus investimentos.

Foi então promulgada a Lei nº 9.991/2000, de 24 de julho de 2000, instituindo um programa compulsório de pesquisa e desenvolvimento para as empresas de energia elétrica do país (P&D Aneel).

Desde a promulgação da Lei nº. 9.991, que instituiu como obrigação para as empresas do Setor Elétrico a aplicação de pelo menos 1% de sua Receita Operacional Líquida (ROL) em desenvolvimento de projetos de pesquisa e também de desenvolvimento tecnológico, as empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas à produção independente de energia elétrica são obrigadas a realizar investimentos mínimos em Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (P&D Aneel) e Eficiência Energética (PEE Aneel – empresas distribuidoras). Estão isentas dessa obrigatoriedade empresas que geram energia elétrica exclusivamente a partir de biomassa, pequenas centrais hidrelétricas, cogeração qualificada e usinas eólicas ou solares.

Com efeito, projetos desta natureza podem trazer diversos benefícios, como desenvolvimento de recursos humanos, ampliação da infraestrutura nacional de P&D e desenvolvimento de novos fornecedores. Contudo, do ponto de vista mercadológico, é importante que as empresas patrocinadoras se apropriem dos resultados tecnológicos e econômicos dos projetos que financiam.

“Por apropriação de resultados, entende-se a geração e retenção de valor econômico (riqueza) derivado de novos conhecimentos (e capacitação) originários de um projeto de P&D. Para fins da pesquisa, da qual este trabalho se originou, o termo apropriabilidade refere-se às condições em torno de um novo conhecimento que permitem a captura de seu valor. Em outras palavras, apropriabilidade é a capacidade de impossibilitar a ação de imitadores e de garantir o retorno otimizado dos investimentos em P&D.” (ALMEIDA ET AL, 2012).

Assim, ante a necessidade de estimular a inovação no Brasil, atendendo a comando Constitucional (a partir do seu artigo 218, traz o regramento acerca da Ciência, Tecnologia e Inovação) e ao sistema da Lei nº 9.991, foi criada a Lei nº 10.973, de 02 de dezembro de 2004, a chamada Lei da Inovação, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas, à capacitação das pessoas, a autonomia tecnológica e ao desenvolvimento industrial do país.

De acordo com o artigo 2º, IV da Lei de Inovação, a inovação refere-se a:

“Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se:
(…)
IV – inovação: introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social que resulta em novos produtos, processos ou serviços;”

A abrangência de sua aplicação tem como vetor principal, em última instância, o desenvolvimento humano e melhoria da qualidade de vida, visto que a inovação impulsiona a competitividade, contribuindo para uma maior eficiência de processo ou produto, novidades tecnológicas, e, consequentemente, o crescimento econômico.

Nesse contexto, o movimento inovador, quando adequadamente estimulado, já provou que contribui de forma rápida para o processo de geração de riquezas. Daí ser inegável a necessidade de valorar e proteger as obras do espírito humano (criação), principalmente em face de um potencial retorno econômico para o seu criador e para a sociedade.

A convenção da organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) define como propriedade intelectual a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.

Assim, a propriedade intelectual está dividia em três grandes categorias principais do direito, conforme destacado abaixo no guia para proteção e negócios com bens de propriedade intelectual para o empresário, feito pelo Instituto Nacional da Propriedade Intelectual – INPI e pela Confederação Nacional da Indústria – CNI:

Fonte: INPI, 2014

Para o presente estudo, a categoria que mais interessa é a Propriedade Industrial, que, conforme o guia referido acima, é um conjunto de direitos e obrigações relacionado a bens intelectuais, objeto de atividade industrial de empresas ou indivíduos, assegurando a seu proprietário (titular do direito) a exclusividade de fabricação, comercialização, importação, uso, venda, cessão.

Sua importância decorre da conversão da Propriedade Industrial em propriedade privada, estando protegida por lei por meio do sistema de propriedade intelectual, constituindo um ativo valioso por si mesmo, que pode ser comercializado como bens imateriais (ativos intangíveis), trazer receita através do licenciamento, facilitar novos negócios de uma empresa, ou ser usada como garantia para empréstimos ou outros financiamentos.

Para o êxito desse intento é necessária a constituição da titularidade do bem a ser legalmente protegido e a correta proteção da propriedade, sendo decisões a serem analisadas cuidadosamente e que devem estar alinhadas com a estratégia comercial da empresa.

Ressalta-se que a propriedade intelectual sendo um bem imaterial (intangível) tem caráter temporário, de modo que, após um certo tempo, a sociedade passa a usufruir livre e gratuitamente das criações.

Assim, como dito, a Propriedade Intelectual apresenta-se da seguinte forma: o Direito Autoral fornece proteção para criações de natureza literária, artística e cultural; este segmento abrange os direitos do autor, direitos conexos e programas de computador. A Propriedade Industrial refere-se a inovações funcionais de interesse econômico; neste grupo encontram-se as marcas, patentes de invenção, desenhos industriais, indicações geográficas, os segredos industriais e repressão a concorrência desleal. O segmento de proteção Sui Generis aplica-se a casos específicos, como a proteção a projetos de circuitos integrados e variedades de vegetais, entre outros.

Por sua vez, patente ou carta-patente é o documento legal ou título que representa os direitos de um inventor, ou do titular (uma vez que o proprietário destes direitos pode não ser o próprio inventor). No Brasil, o registro e concessões de marcas, desenhos industriais, transferência de tecnologia, indicação geográfica, programa de computador e topografia de circuito integrado são de responsabilidade do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Este instituto define o documento de patente nos seguintes termos:

“Patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgado pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação. Com este direito, o inventor ou o detentor da patente tem o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar a venda, vender ou importar produto objeto de sua patente e/ ou processo ou produto obtido diretamente por processo por ele patenteado.”
(INPI, 2013).

Os pedidos de patente são classificados em grupos de acordo com sua natureza, a saber:

PI – Patente de Invenção: Produtos ou processos que atendam aos requisitos de atividade inventiva, novidade e aplicação industrial;
MU – Modelo de Utilidade: Objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação;
DI – Desenho Industrial: a forma plástica ornamental de um objeto ou conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto;
CA – Certificado de Adição: Aperfeiçoamento ou desenvolvimento introduzido no objeto da invenção, mesmo que destituído de atividade inventiva, porém ainda dentro do mesmo conceito inventivo;
MI – Modelo Industrial: Esta classificação está relacionada a forma geométrica de um produto (esta modalidade não é prevista na atual legislação de propriedade intelectual).

As patentes podem ainda ser classificadas em 8 (oito) setores principais, com 64000 (sessenta e quatro mil) subdivisões. Cada subdivisão tem um símbolo composto de algarismos arábicos e de letras do alfabeto latino. Os 8 (oito) setores principais são denominados de seções, a saber:

Seção A – Necessidades Humanas
Seção B – Operações de Processamento; Transporte
Seção C – Química e Metalurgia
Seção D – Têxteis e Papel
Seção E – Construções Fixas
Seção F – Eng. Mecânica / Iluminação / Aquecimento
Seção G – Física
Seção H – Eletricidade

O símbolo completo da classificação internacional das patentes (CIP) é um código alfanumérico, constituído por símbolos que representam a Seção, Classe (número composto por dois algarismos), Subclasse (letra maiúscula), grupo e Subgrupo, como por exemplo:

Figura I.1 – Exemplo de utilização da Classificação Internacional de Patentes (CIP). Fonte: INPI, 2014

Devido sua estrutura, os conteúdos dos documentos que compõe os registros de patente possuem informações de grande relevância tecnológica, de forma que é possível extrair várias conclusões a partir do estudo dos processos de propriedade industrial.

“A recuperação das informações tecnológicas contidas nos documentos de patentes é facilitada pela própria estrutura do documento, que é composta por: folha de rosto; relatório descritivo; desenhos (se houver); reivindicações; e resumo. A folha de rosto apresenta dados de identificação: título da patente e natureza do documento; nome do inventor e do titular da patente; país de prioridade, países de depósito e países designados; códigos da Classificação Internacional de Patentes; e o resumo, que descreve o conteúdo informacional técnico da patente. O relatório descritivo faz a descrição do objeto da invenção (produto e/ou processo), de modo a possibilitar a sua realização por um técnico no assunto. O teor das reivindicações, baseadas nas informações constantes do relatório descritivo, é o que determina a extensão da proteção conferida pela patente.” (BATTAGLIA, 1999 & JANNUZZI et al., 2005).

Neste sentido, a proteção dos direitos de propriedade intelectual através do registro de patentes, se corretamente utilizada, é considerada como um importante mecanismo de apropriação de novos ativos. Sendo um indicativo de eficiência nos processos inovativos. Por este motivo, a análise de pedidos de patente por parte das empresas do setor elétrico, pode contribuir para identificação da apropriação de benefícios econômicos por parte das empresas do setor. Isto porque, além da possibilidade de explorar os resultados dos projetos, as empresas podem comercializar estes direitos de acordo com suas estratégias.

Este mecanismo pode ser visualizado através do diagrama proposto por CHESBROUGH (2003) e utilizado no artigo citado.

Figura I.2 – Modelo de Inovação aberta e estratégias de apropriação Fonte: CHESBROUGH, 2003

Conclui-se que a inovação, como se sabe, produz mudanças de diversos tipos e níveis e, muitas vezes, exige até mesmo mudanças culturais na organização. Essas mudanças culturais produzem resistências, o que dificulta o sucesso de um programa de inovação. Por isso, é preciso desenvolver as pessoas, os colaboradores, para que a organização possa implementar com mais facilidade as ações de modo a realizar negócios a partir de seu acervo de ativo intangível.