Autor: João Queiroz Krause
Pesquisador Associado do CTSMART

Inteligência pode ser definida como o conjunto de todas as faculdades intelectuais, isto é, memória, imaginação, juízo, raciocínio, abstração e concepção. Por conseguinte, inteligente é aquele que reúne, em diferentes proporções, estas características ou ainda aquilo que reflete tais características em maior ou menor grau. O friso ao objeto como algo que não dispõe em si do conjunto completo das faculdades mencionadas é proposital e fundamental ao desdobramento das ideias que serão ora expostas. Ainda que o desenvolvimento da Inteligência Artificial caminhe a passos largos, as faculdades de imaginação, abstração e concepção ainda são um desafio a ser transposto (ou preferencialmente não, de acordo com alguns dos grandes empresários de tecnologia do Mundo, como Elon Musk e Jack Ma).

Objetos inteligentes são um assunto em voga, mas analisando tais objetos, será que são de fato inteligentes? E pra que serve esta inteligência? De uma maneira geral a inteligência desses objetos não necessariamente tem a ver com a concepção do objeto em si, mas sim com a ideia de conceder a ele um certo arcabouço de faculdades intelectuais, notadamente memória e raciocínio, para possibilitar a sua comunicação com seus usuários e seus pares, fornecendo-lhes e recebendo informações úteis e processando-as de acordo com a sua programação. O problema reside no fato de que: não ter a ver com a sua concepção faz com que sejam dotados de inteligência, mas não faz com que sejam inteligentes!


Objetos inteligentes devem ser, na realidade, o reflexo de uma mente inteligente, que pela reunião das suas faculdades intelectuais, o concebeu por algum motivo. Em geral o motivo é o desempenho de uma função, que pode sim ser incrementado pela dotação de certas
faculdades intelectuais, desde que a função para a qual o objeto foi concebido seja prioritária! Um relógio mecânico automático desempenha a sua função de modo primoroso, refletindo o resultado da aplicação dos esforços de uma mente inteligente, notadamente imaginação, abstração, raciocínio e concepção. Sua função pode ser melhorada e ampliada pela dotação de inteligência, culminando em relógios inteligentes, que comunicam a hora precisamente, por conta de sua conexão com a internet, além de possibilitar um incremento funcional fantástico pela comunicação com seus pares e pelo armazenamento e processamento dos dados captados por seus sensores. Mas se não comunicasse as horas não seria um relógio. No afã de dotar os objetos de inteligência, muitas vezes as funções principais são deixadas de lado, de modo que o seu desempenho não é incrementado, podendo inclusive ser reduzido.

Edificações são um exemplo em que o cuidado com a concepção é particularmente necessário para que a inteligência seja de fato útil! As funções primordiais de um edifício são: fornecer abrigo das intempéries, permitir a consecução de necessidades fisiológicas e de higiene, possibilitar o armazenamento e preparo de alimentos e proporcionar conforto ambiental de acordo com a função a ser desempenhada em cada ambiente. Conforto ambiental refere-se mais detalhadamente a proporcionar boa acústica, controle de temperatura, qualidade do ar e iluminação para o adequado desempenho das tarefas. Quando não se dispunha de artifícios dependentes do consumo de energia essas condições de contorno eram satisfeitas predominantemente por estratégias intrinsecamente ligadas à arquitetura e meramente complementadas com a tecnologia disponível na época, isto é, a edificação era concebida para ser relativamente silenciosa, ter a temperatura mais amena possível e aproveitar a iluminação natural da melhor forma, evitando ofuscamento, tudo isso por meio do correto posicionamento, da disposição das aberturas de modo a aproveitar a luz mais difusa, do uso de materiais que permitissem reter ou afastar o calor (de acordo com o local), do uso de estratégias de ventilação natural, etc.

Com o vertiginoso crescimento da população urbana mundial e o desenvolvimento de novas tecnologias construtivas e, principalmente, com o advento da energia elétrica, as estratégias passivas de projeto perderam espaço e emergiu um conceito de arquitetura internacional, que prometia poder ser construída em qualquer lugar do mundo! Ora, na verdade esta seria a arquitetura de lugar nenhum, dado que não considera o meio em que se insere e busca prover o conforto por meio de equipamentos consumidores de energia, como calefatores, condicionadores de ar e iluminação artificial. Criamos por exemplo edifícios revestidos de vidro nos trópicos, onde a disponibilidade de luz natural excede 50.000 lux e o aporte de radiação infravermelha é igualmente excessivo, provocando ofuscamento e armazenando calor. Hoje colhemos os frutos dessa irresponsabilidade com o aumento da demanda de energia simultâneo à diminuição da sua disponibilidade. Qual a utilidade efetiva de conceder inteligência a este objeto que desempenha particularmente mal a sua função? Ou melhor, antes de dotar este objeto de inteligência, é premente que uma mente inteligente deposite
sua memória, imaginação, abstração, juízo e raciocínio para conceber uma readequação que reflita suas qualidades.

Objetos inteligentes devem ser concebidos de forma inteligente, para que desempenhem adequadamente as suas atribuições antes de serem dotados de inteligência, para que assim possam comunicar-se com seus pares e seus usuários obtendo, processando e oferecendo informações e funções úteis, sem colocar o carro na frente dos bois.